quarta-feira, novembro 30

Agatha - Adormecendo.

   Entramos no carro e Lucas plugou o pendrive dele no player. Vinte minutos de estrada, vinte minutos de conversas aleatórias, de risadas, de vento no rosto e apenas um segundo para o farol do caminhão vindo em direção a gente nos cegar e Lucas perder o controle do volante. O pneu cantou tão alto que eu mal conseguia ouvir meus pensamentos. O mundo parou e correu, ao mesmo tempo, nesse segundo. O carro capotou várias vezes e eu segurei meu coração, fechei os olhos e apenas uma frase percorria meu corpo "eu vou morrer". Ouvia a lataria do carro se contorcer, os vidros se quebrarem e a música morrer no player. Gritava de dor, de medo, de aflição. Vi minha vida começar e terminar ao mesmo tempo. Senti o sangue escorrer entre meus olhos e a ultima coisa que eu deveria me lembrar era a voz de Lucas se afastando de mim. Desesperada e temerosa.
   Por um tempo eu fiquei inerte. Sonhava com rostos indo e vindo na minha direção. Uniformes brancos com manchas vermelhas, luvas e um quarto branco.Vozes ecoavam de fora para dentro do meu cérebro. Acho que vi o rosto embaçado de Lucas por um instante em algum momento entre gotas de água no meu rosto, um   beijo na minha mão e um toque de lábios nos meus. Ele estava chorando e falando alguma coisa sobre o desfile, o quanto eu estava linda e que isso não era justo. Perdi os sentidos de novo.
   E essa foi a minha rotina durante muito tempo. Não consigo lhe dizer quanto tempo exatamente porque eu não conseguia mais diferenciar horas de dias e dias de minutos, mas parecia uma eternidade quando eu ouvia a voz do homem que sempre esteve ao meu lado entorpecida e desesperançosa. Lembro também da minha mãe, do meu pai e dos meus amigos me contando sobre seu dia, um casamento, uma gravidez e muita saudade acompanhada do cheiro de flores. Mas por mais que eu tente eu não consigo acordar e esse "beep... beep...beep" já está me irritando.