quarta-feira, dezembro 28

Au Revoir 2011

  Dou graças aos ceús pelo ano já estar em contagem regressiva. Ou eu deveria dizer progressiva? Afinal de contas "regresso" é você voltar a algum lugar e se tem uma coisa que eu não suportaria seria viver 2011 de novo. Risos ou lágrimas estão na lembrança, já me proporcionaram grandes momentos, me fizeram aprender lições muito difíceis de serem encaradas. Busco por novos caminhos, trilhando ao lado de quem me quer bem.
  Ano novo, vida nova. Um novo período, um novo emprego, novas alfinetas, novos amigos - e os antigos principalmente -, novas metas, novas lições para aprender. Para 2012, descartei o que me fez mal, guardei o que me fez e o que me faz bem. Novos risos, novas lágrimas, novas marcas, novos problemas, novas soluções, novas rotinas... sim, novas rotinas.
  Não vou planejar 2012 como fazia com os outros anos. Vou deixar o tempo me conduzir. Afinal de contas, nada sai conforme o planejado.

sexta-feira, dezembro 16

Conto surdo.

Tanto tempo passa o mundo a girar.
Vendo o vento voltar do morro, além do mar.
Corro contra o tempo para poder viver um tanto mais.
Paro para sentir o vento e sei que estou em paz.

Será que as luzes lá em cima um dia vão queimar?
Ontem descobri que o ar que me fascina planeja me matar.
Simplório é o sono da cidade que não descansa, se cansa, dança...
É fácil crer, gostoso de ver, difícil é explicar.

O horizonte longe guarda um mundo mudo
Dono de tantas coisas, impossíveis de listar.
Quem sabe um dia desse alguém desvenda o todo disso tudo
Mas depois que descobrirem, o que mais poderei questionar?

quarta-feira, novembro 30

Agatha - Adormecendo.

   Entramos no carro e Lucas plugou o pendrive dele no player. Vinte minutos de estrada, vinte minutos de conversas aleatórias, de risadas, de vento no rosto e apenas um segundo para o farol do caminhão vindo em direção a gente nos cegar e Lucas perder o controle do volante. O pneu cantou tão alto que eu mal conseguia ouvir meus pensamentos. O mundo parou e correu, ao mesmo tempo, nesse segundo. O carro capotou várias vezes e eu segurei meu coração, fechei os olhos e apenas uma frase percorria meu corpo "eu vou morrer". Ouvia a lataria do carro se contorcer, os vidros se quebrarem e a música morrer no player. Gritava de dor, de medo, de aflição. Vi minha vida começar e terminar ao mesmo tempo. Senti o sangue escorrer entre meus olhos e a ultima coisa que eu deveria me lembrar era a voz de Lucas se afastando de mim. Desesperada e temerosa.
   Por um tempo eu fiquei inerte. Sonhava com rostos indo e vindo na minha direção. Uniformes brancos com manchas vermelhas, luvas e um quarto branco.Vozes ecoavam de fora para dentro do meu cérebro. Acho que vi o rosto embaçado de Lucas por um instante em algum momento entre gotas de água no meu rosto, um   beijo na minha mão e um toque de lábios nos meus. Ele estava chorando e falando alguma coisa sobre o desfile, o quanto eu estava linda e que isso não era justo. Perdi os sentidos de novo.
   E essa foi a minha rotina durante muito tempo. Não consigo lhe dizer quanto tempo exatamente porque eu não conseguia mais diferenciar horas de dias e dias de minutos, mas parecia uma eternidade quando eu ouvia a voz do homem que sempre esteve ao meu lado entorpecida e desesperançosa. Lembro também da minha mãe, do meu pai e dos meus amigos me contando sobre seu dia, um casamento, uma gravidez e muita saudade acompanhada do cheiro de flores. Mas por mais que eu tente eu não consigo acordar e esse "beep... beep...beep" já está me irritando.

terça-feira, outubro 11

Arte sem atrito.

    O vento que sopra lá fora faz da minha janela sua tela de aquarela. Ele joga a chuva contra o meu reflexo no vidro. Arte abstrata que mistura ideias como uma montanha russa mistura sua percepção e te faz cair para cima de um jeito que só os corajosos podem saber e sentir. A sensação de quem é sugado para dentro de uma gota d'água e que por sua vez preenche todo o seu pensamento sobre a sua respiração no vidro. E você sorrir e continua a espalhar o seu calor por todo o vidro e desenha naquela superfície sólida e gelada, salpicada por movimentos da aquarela com cheiro de terra molhada que o vento lhe proporcionou. A sua cor está no seu reflexo e na paisagem de fundo do outro lado da tela, mas o que você realmente fixa é na gota que se desprende de uma outra. E você a acompanha pelo caminho. Dançando e ziguezagueando pelo vidro, sem rumo e sem atrito, procurando um par para se entrelaçar.
E por acaso somos nós tão diferentes assim?

terça-feira, setembro 27

Uma Carta para o Bardo.

    Não sei mais o que te dizer e nem sei mais se as palavras podem me ajudar. O "Eu te amo" não faz tanto sentido. "Eu te amo" é vago demais. Ele ‘é’ porque se tornou um ‘ser’ e não mais um ‘estado’, porque a planta que você cultivou nasceu e se mostrou uma erva daninha que fincou na minha terra, me arrancou o ar e deixou o teu calor exalando aquele perfume que me deixa vulnerável.
    Eu desisto da comunicação verbal porque ela não faz a menor lógica agora. As palavras saem da minha boca, eu molho os meus lábios e as repito para tentar entendê-las. Os teus lábios sussurram minha canção de ninar, seus beijos silenciam a minha mente. As palavras foram reduzidas a ‘nada’ porque teu espírito se tornou o ‘todo’ quando se entrelaçou ao meu.
    E assim você consegue despertar em mim todas as reações possíveis e impossíveis e isso é o que me faz ter certeza que há algo entre nós. Algo que não tem uma fórmula específica. Algo essencial para uma vida saudável a dois e como eu não encontro mais nas palavras um sentido concreto da sensação abstrata que esse ‘algo’ desperta, vou continuar a dizer essas 3 palavras, segura de mim, mesmo que ainda pareçam efêmeras demais quando comparadas ao que eu sinto por você.

sexta-feira, agosto 26

Borbemolta

  A monarca, meio tímida, veio compondo uma sinfonia muda que só meus olhos podiam ouvir. Indo de uma ponta a outra ela dançava, cheia de vida, sobre uma partitura que ela desenhava no vento. Vento que lhe balançava no balanço impulsivo de um tango apenas de um.  Entre compassos, colcheias e fusas, ela subia e descia nas pautas, dando nome as claves e colorindo um quadro de notas, preso a um cavalete imaginário que o chão não poderia sustentar.
  Tentei me aproximar da exuberante performance da minha artista incipiente que brilhava fingindo não me notar. A observei marcar a respiração enquanto me perdia na renda refinada de suas asas. Ela mergulhava no ar, vislumbrando seu reflexo na poça d'água da chuva passada e sorria para si enquanto a trilha sonora do momento se alegrava e eu me esquecia do tempo. Melodia que saciava a minha sede, ninfa fugidia do espelho da minha alma, não há como nele se perder.
 Eu fechava os olhos e podia sentir a silhueta frágil de suas vidraças alaranjadas quando essa pequena notável roubava a atenção do meu espírito com a leveza surrealista que ela me presenteava. Modificava o espectro com seus tons e meio tons, sua alteza fez uma reverência cordial aos aplausos sorridentes da incandescência solar, suas cores se distanciaram, sua sinfonia subiu entre as nuvens, invejando o rouxinol narcisista que parou de cantar para ver a majestade insecta voar para outro lugar.

quarta-feira, julho 13

Esquina

Ela chegou na esquina dos ventos, onde por ela passam alíseos, monções, brisas, que a empurram para todas as direções e ela não sabe pra onde ir. Ela estava certa de sua trajetória, estava certa do tempo ameno que fazia poucos minutos atrás, mas tudo mudara. Surgira a dúvida com sementes que os ventos por lá semearam ao redor da menina.
Ela fechara os olhos, perdida em si mesma, abraçando o próprio corpo para se proteger do frio. Então uma mão segurou a sua, mas ela não quis ver. Tinha medo do que poderia acontecer. Alguém a guiava para algum lugar onde os ventos não arranhavam mais seu rosto. Ela sentiu o frio passar e o vento acariciar sua face, seus lábios, sua cintura...
Quando ela abriu os olhos a lua se escondeu, ocultando o rosto de seu guia. Ela sorria para a sombra que ela temera. Ela sorriu para si mesma, beijando o guia sem um rosto, enquanto a lua lhe roubava sua atenção, seu guia também se foi, lhe deixando uma ponta de saudade, deixando aos seus pés uma semente rasgada de um verde tímido e vivo que não esperava nascer.

quarta-feira, junho 22

Cartas Narrativas

 Ah, menino, aquela garota não faz por mal. O mar a levou para uma expedição e a devolveu com um outro olhar. Antes ela só olhava para o horizonte, se pondo a imaginar onde aquilo tudo iria dar. Ela caiu no olho de uma tormenta e isso mexeu com a sua cabeça. Ela bebeu da água salgada e nunca mais foi a mesma.
 Ah, menino, não era para ser assim, e e ela te alertou sobre teus sonhos. Mas você sorriu e foi traído por eles, entrando na tormenta de pensamentos salgados daquela garota perdida, fazendo seu coração esquecido despertar pela dor da ferida que fora se abrindo conforme a água batia. E você gritou e você chorou. E ela chorou com você e sentiu a tua dor. Com a boca seca sibilou um ''sinto muito'' enquanto teu coração se rasgava e o dela deixava de ter calor. Batidas hipotérmicas começaram a surgir, a graduar de tempo em tempo e nem teu mais sincero suspiro poderia salvar sua pele de veludo daquele gelo de junho.
 Ah menino, se atire naquele rio de vida. Sorria e se deixe viver! Feche os olhos e não tenha medo da correnteza. Siga o rumo que ela te mostrar e seja feliz. Aquieta o frágil músculo dentro do teu peito e ame-o acima de qualquer outra obra vinda dentre os melhores tecelões, pois sem ele você não teria esta jovem descoberta que batizaras como a capacidade de amar.

quinta-feira, junho 2

Um Quarto de Cincos

Aquela menina anda com a cabeça nas nuvens.
Aquela menina só vive para sonhar.
Menina dos olhos castanhos que tanto amei,
Monta a sua sorte através do azar.

Azar esse que a acompanha para lhe ensinar.
Que a puxa para o chão, para as nuvens não levarem
Para longe aquele sorriso sem motivos que tanto amei
E que ainda amo só de lembrar.

Eu vi, vi de perto ela andar por uma estrada de tijolos
Por poucos galhos retorcidos daquela árvore
De tantos caminhos por onde ela exclamava
Que a vida não acontece se você esperá-la passar.

Ela mudou seu rumo, como sempre faz
E assim ela caminha para longe de mim,
Aquela menina que canta ao vento
Sem medo de errar...

Que monta sua sorte através do azar.

segunda-feira, maio 30

Agatha - Simplicidade

   Perdi a vontade de terminar meu drink no meio daquela multidão afogada em alegria, música e alcool. Minha cabeça começava a doer com aquelas luzes coloridas e com aqueles flashes. Atravessei aquele mar de gente, me despedi da Paula, do Ricardo e de mais algumas cabeças que estiveram comigo desde o começo daquela loucura que terminou quando eu voltei para o backstage e fui aplaudida por todos ali.
 Lucas me esperava do lado de fora da casa de festa, encostado naquele sedan preto com um par de chinelos e um capotraste no porta luvas, aquela camisa suada, do futebol no meio da chuva, jogada no chão do banco de trás, um boneco bobblehead do Spock acima do painel e um CD do Bob Dylan que nunca mais saiu do player. Sorrio ao pensar em todos esses detalhes irrelevantes para a maioria das pessoas, mas que para mim essa parte irrelevante da minha vida é uma das minhas preferidas.
- Você tá bem? - perguntou ele quando eu me aproximei. As vezes ele acertava quando deveria fazer a pergunta certa.
- Não... tô me sentindo estranha... a minha cabeça tá doendo e parece que eu acabei de fazer uma maratona porque meu coração tá disparado. - me sentia uma presa sendo caçada por algum animal invisível.
- É, deve ter sido o alcool, aquela ansiedade...e claro, o bonitão aqui. - Lucas não era convencido, mas brincava ser. Deu aquele sorriso de Johnny Bravo e pôs as mãos na minha cintura.
- Não, é mais sobre amanhã, eu não sei... é uma sensação diferente. uma espécie de medo...não sei explicar. Deve ser por causa do desfile, da aceitação, das críticas... e eu já tô acostumada com o bonitão aí... nem ligo mais pra isso... - fingi estar admirando minhas unhas e a boca dele se aproximou da minha orelha, antes de beijar meu pescoço.
- Deixa a gente chegar em casa. Aí eu quero ver você não ligar. 

quarta-feira, maio 25

O pássaro

Um pássaro desamparado
pousou na janela do meu quarto,
piando alto e cada vez mais alto,
despertando-me do mais profundo sono.
Ele parou de piar
quando a janela abriu e o vento e a chuva entraram,
livrando-me da areia e me ensinando a respirar

O pássaro pousou na minha escrivaninha e pôs-se a me olhar
Fitava aquele corpo sem jeito e deslocado aprendendo a se equilibrar
Senti seus olhos nos meus olhos ocos,
olhos de vidro orgânico que não sentia
o que dentro do peito pulsava e que não sabia,
se sabia enfim, se batia.

Então aquele pássaro deu um pio quase mudo.
Ele sorriu um sorriso cansado e aliviado.
Fechou seus olhos com um suspiro
E o sopro de vida que ele esculturou
O fez dormir silenciosamente
na pele de quem ele despertou.

quarta-feira, maio 18

Pode tentar me acompanhar?

   Entre uma palavra e outra, eu crio ligações ou quebro-as. Entre suas camadas, suas partículas seus neutrons, dá para ver meus pensamentos se formando em cada letra, em cada ponto, um amontoado de ideias, pensamentos, opiniões e contradições se ligam entre si na organizada bagunça que é minha mente que não mente quando digo tais palavras sem pausas mentais, diferente de como escrevo que tem sempre uma pausa, se não seria difícil entender tudo que penso, ou melhor, mais difícil de entender tudo que penso, falo e escrevo. Mas afinal de contas, não está tudo conectado? Sou o que falo, penso e escrevo, sou a mesma com ou sem pausa...Mas na verdade eu, eu mesma não tenho pausa, você não encontrará em mim um botão de liga/desligada pois a minha energia nunca acaba, porque eu penso em muita coisa ao mesmo tempo, sinto, falo e escrevo diferentes coisas e todas reais, todas interligadas e sem ligação alguma com pensamentos reciclados, refeitos, repensados, imutáveis. Sou um narrador desfocado, narrador oculto, narrador personagem, um mero figurante, um coadjuvante e o protagonista desse monólogo que vivo por entre essas linhas que penso cá comigo.

quarta-feira, maio 4

Incompreensão

  Vendas. É só isso que vejo pelas ruas. Vendas de todas as cores, tampando olhos sem cores. Cegos por ignorar o senso. Cegos pela ausência de luz. 
  São corpos sem almas, sem perspectivas, afogados no senso comum de sua cegueira social. Preferindo ter suas bocas costuradas por um medo que retarda seus pensamentos, que descarta seus princípios. São cegos e mudos que olham tudo e falam de todos enquanto caminham, acompanhando os arranha-céus da cidade, perdidos entre altas estantes de uma biblioteca ou trabalhando na terra.
  
Mas não é tudo que espreita este azul inerte. Há também rostos com olhos e bocas trocados, virados pelo avesso, neurônios turgenciados, corações vegetalizados e ossos incapazes de aceitar a simplicidade das coisas, tornando-as pútridas, indignas de existência. Eles andam entre os corpos apáticos, vestindo roupas ordinárias, com o nariz virado para o Sol, tão negro quanto a sombra que os segue.
  
Essas gárgulas não guardam a Notre Dame, são devoradoras da felicidade alheia. Com uma voracidade imoral estraçalham sua alma e seu corpo. Deixam marcas da vergonha em seus pensamentos através de suas presas e talham o medo em seus ossos através de suas unhas. Elas destroem a sonoridade de seus sinos por eles serem absolutamente iguais.

  Um beijo harmônico, cheio de desejos em companhia de uma febre alta e prazerosa vira uma lágrima fria e vermelha entre esses corpos perfeitamente iguais. Apenas por serem iguais.
  
Diga-me gárgulas, o quê tanto temem? Porque temem tanto?
 Não adianta apontar para o céu que nenhuma voz lhes dirá sua preciosa resposta. Não adianta apontar para aqueles corpos distantes porque nenhum deles saberá a resposta. Mas afinal, o que o não conseguem compreender? Se Atenas compreendia tão bem, porque não vós?   Desvirem esses rostos e coloquem a cabeça no seu devido lugar e deixem as crianças se amarem do jeito que elas são. Outros iguais, iguais e diferentes de nós também existem. Eles voam, nadam e possuem até quatro patas! Até quando vós continuareis a negar o que enxergais tão bem?
   
Não, criança, não chores mais. Tuas chances neste mundo um tanto sem sabor e incolor, são menores que os grãos de areia, mas ainda carregam grandes esperanças, histórias e risos pelo teu caminho. Não precisas enganar tua sombra e mudar tua silhueta. Não tem porque se envergonhar. Deixe a vergonha para os que preferem fingir não te ver. 

quinta-feira, abril 28

Frustração, desejo e texto.

    Olho para a tela e não há nada lá a não ser o piscar do cursor, afrontando-me, inibindo minha mente de trabalhar como se eu fosse a cobaia de uma lobotomia bem sucedida. Me encontrava no meio da escassez de ideias e palavras. Meu córtex foi desligado, ou melhor, sintonizado em outra frequência que não pegava a tempestade de palavras que deveria me molhar.
   Eis que surge uma ideia. Uma explosão de palavras silenciosas se desencadeia. O Brainstorm que eu esperava deixou meu corpo visível. Pude tocá-lo, sentí-lo e refrescar a minha alma. Aquela sensação me tomou. Me prendeu. Estou presa em palavras, música. figuras, corpos e almas.
  O cursor não piscava mais, ele marcava o tempo entre as palavras enquanto meus dedos dançavam sob o teclado, se embolando e dando vidas a palavras que formavam a sinfonia eufórica da eufonia que ecoava dentro de mim.

terça-feira, abril 26

Film du Chanson triste.

    Eu pensei em poucas palavras, muitas vezes. Eu sonhei com poucas cenas, sonhei demais. As vivi em algum filme improvisado com um roteiro patético que eu produzi ao longo desses dias inacabáveis que meus olhos cinegrafistas, obcecados por um clímax, preferiram não me dizer quando eu deveria parar de sonhar.
  Eis que meus momentos apáticos surgem de baixo de películas e mais películas que se espalham por todo o canto. Eu corto cenas, emendo em outras mas esse filme não tem fim e eu continuo a sonhar, a produzi-lo e a dirigi-lo. E a esperar, esperar por um conto que não existe, que não pode ser contado e nem lido, que está preso no silêncio dos esquecidos, algemado por esperanças mortas que não me deixam emergir.
  Eu me afogo nelas, na imensidão dessa cartase azulada que deveria me resgatar de tudo isso, mas eu me afogo mais e mais. Me enrolo nessas fitas, nesses negativos que não me largam. Eu não os largo. E é nesse dilema masoquista que monto minha trilha sonora. Músicas que agora me lembram desse vazio que um dia ninguém acreditou que pudesse existir.
   E esse tal climax não chegará. Eu sei disso. Continuarei abraçada a essa ideia frustrante até ela me odiar e me deixar. Como um dia a minha sombra fez e como certamente o meu reflexo fará mais cedo ou mais tarde. Mas eu não os culpo. Esse filme é uma droga mesmo, com todo o sentido da palavra.

quinta-feira, abril 21

Agatha - Taquicardia

    Não pensem que eu consegui dormir. Eu não sinto o tempo desde terça feira. Ele passa por mim num piscar de olhos, e quando eu o vi... cá estou na sexta feira, as seis da manhã, tomando banho. Aquele bem demorado para me acalmar. Paula vai chegar daqui a duas horas para irmos para o píer. Passei a quarta feira toda entregando os convites a amigos, a familia e aos calouros da faculdade. Cheguei em casa tomei banho e fui dormir. Nem comi nada.
   Me enrolei na toalha e fui para a cozinha tomar um iogurte para não sair com o estômago vazio. A cada passo que eu dava mais nervosa eu ficava e o relógio da cozinha me deixava mais nervosa ainda com aquele tic-tac que fazia. Resolvi acabar com o pouco de Froot Loops que ainda tinha. Suspirei e subi para o meu quarto. Hoje será: da casa dos meus pais para o desfile, do desfile para a minha casa, da minha casa para o aeroporto.
  Revisei todo o mapa do desfile mentalmente enquanto colocava o meu short jeans, o mocassim de veludo, minha camisa de seda e a camisa xadrez que eu comprei em um bazar vintage anteontem. Fiz um coque meio solto e uma maquiagem bem nude, até porque eu sei que quando eu chegar lá o Julio vai dizer que eu estou muito simples e vai fazer uma obra de arte no meu rosto.
  Pelo caminho Paula e eu viemos fofocando sobre as duas modelos que se pegaram no camarim e sobre Ricardo estar noivo de um fotógrafo. Viemos rindo, descontraídas. Foi então que avistamos o piér e aquele frio na barriga se espalhou, devorando todas as minhas células.
- Vamos? - disse Paula ao desligar o carro. Respirei fundo e abri a porta do carona.
  Eram quinze para as nove da manhã. Nossa coleção desfilará as onze. Meu pai acabou de me ligar dizendo que estava a caminho, com a minha mãe e o meu irmão mais velho, Eduardo, que chegou da Nova Zelândia ontem. Ele é fotógrafo e foi cobrir um festival de música, tipo Coachella.
  Encontrei alguns conhecidos da faculdade, alguns amigos que chegaram mais cedo, ri um pouco e fui para o camarim. As modelos já se aprontavam. Juliana separava as próximas roupas, Ricardo dava uma conferida no "repertório" e Paula falava no celular, ou melhor cochichava.
- Agatha, vem aqui que eu vou dar um jeito nesse cabelo e nesse rosto. Cadê as cores nesse rosto? Isso tá nude demais! Parece que morreu. Ah, não. Pelo menos uma sombra fucsia! - Lá vinha Julio me arrancando risos.
  Sim, eu estava muito quieta, muito nervosa, tinha decidido parar de fumar e a minha caixa de chiclete já tava acabando. Aquela correria nos bastidores me deixava mais tensa. Isso sem falar que eu não podia mexer no meu cabelo, senão Julio iria arrancar a minha pele.
  Paula e eu estávamos auxiliando algumas modelos na hora de se trocarem. Eu consegui ver os meus pais na fileira B. Eles estavam sorrindo e conversando. Vi alguns blogueiros na fileira A mexendo nos celulares. Provavelmente tweetando sobre o desfile. Sobre o meu desfile.
- Agora é a nossa vez, Agatha! - disse Paula me puxando. Tinham três modelos na nossa frente. Todas mais altas que eu. Minhas mãos ficaram geladas e um sorriso nervoso se instalou nos meus lábios. Eu passei o desfile inteiro em transe. Mas agora eu via tudo nitidamente.
   Segurei o braço direito de Paula e nós fomos para a passarela. As outras modelos nos aplaudindo, as pessoas comentando, nos ignorando, aplaudindo. Flashes me cegando, sorrisos em minha direção. Então Paula larga o meu braço. Eu me curvo em agradecimento e olho para o espaço que ela ocupava antes de largar o meu braço e encontro um buquê de lírios na minha frente. Por trás dele, Lucas sorria e eu sorria de volta.
- Parabéns, amor - Disse ele bem baixinho
- Thank you, darling - eu respondi meio sem jeito. Peguei o buquê e Paula apareceu me aplaudindo do meu outro lado. Eu peguei a mão dela e a ergui.
- Era com ele que você andava aos cochichos não é?
- A ideia foi toda dele.
  Eu me sentia uma boba sorridente. Meio pesada, meio leve. Histérica e calma. Nós duas agradecemos mais uma vez, fomos para cada lado de Lucas e saímos os três abraçados.

domingo, abril 17

Definindo amor

    Alguém sabe me dizer o que é amar, se não um distúrbio mental que nos deixa em êxtase profundo durante algum tempo, inflando nosso ego e cegando o nosso bom senso ou até mesmo uma fórmula de um bom bolo caseiro, aquele feito com esmero e o resultado é tão bom que acaba rápido [?].
   Quando se vê, a última fatia foi embora. E tem gente que passa mal de tanto que comeu, tem gente que prefere saborear, outros nem mastigam e tem aqueles que custam a acreditar que aquele manjá dos deuses acabou. Todos querem um pedaço, talvez o bolo inteiro mas ninguém se contenta com as migalhas.
   Amor é um estado psicológico, uma doença prazerosa. É um homem feudal que te escraviza, te deixa sem dormir, sem comer e mesmo assim você deseja nunca ter a sua carta de alforria e, diferente do Brasil Colônia, ela chega um dia.
   Amor é uma aglutinação da amizade com a carne e que pode perder alguns elementos, dependendo da pessoa. É uma justaposição, uma parassíntese, um neologismo,  uma catarse, uma metáfora, ele é a linguagem do corpo, da alma e espírito. Ele é um cristão, um ateu, um pagão.
  Amor é teoria em "não prática" e prática em "não teoria". Ele se contradiz, se afirma, voltamos ao início e fazemos um novo final. É psicológico.

sexta-feira, abril 8

Boneca de Pano

      Repare bem, repare bem de perto. Repare nos olhos inanimados da boneca que um dia sentiu algo, algo que nunca soube explicar e que perdeu antes de descobrir o que lhe foi tirado. De um grito silencioso lhe foi roubado um suspiro. Seu mais preciso suspiro.
   Essa boneca de pano pintava uma tela de um modo peculiar que eu não saberia descrever aqui. Mas, mesmo assim, irei tentar. Ela pintava vida quente com gosto de morango maduro, daqueles bem doces e azedinhos, do jeito que gostava de saboreá-los. 
  Ela percorria a ponta do pincel com seus olhos amendoados, aqueles mesmos que nos deixavam admirar a alma daquela boneca que não possuía batimentos cardíacos mas pulsava com o coração mais real que eu já vi.
 Algo dentro dela dormia, de um jeito gostoso de se ver alguém dormir. Sua curiosidade voraz em despertar aquilo, que sempre dormiu, um dia o fez. Ela conheceu a dependência sem saber ao certo o que era, e quando descobriu, o estrago estava feito. 
     Sua tela desmanchou-se, suas tintas desapareceram. Sua vida de morangos estava perdida, solta em algum lugar onde ela não sabia ir. A pobre boneca passava os dias lembrando e sonhando. Fazia perguntas vazias, sem querer saber as respostas, sem compreender o que se passava dentro de si. 
 Ela estava dormindo? estava acordada? Onde posso ir? Onde quero ir?
 "Volte a dormir. Eu canto a ti a melhor canção de ninar".
 Sua garganta se fechou, pôs-se a chorar sem saber o que era uma lágrima. Diante de tanta novidade, seus olhos vagaram, observando o nada e o tudo, enquanto se esquecia de respirar, tentando achar a resposta que nunca conseguiu entender. Sua cabeça pendia para o lado e lá ficava. Encarando o espelho que a lembrava do vazia despertado dentro dela. "Cantarei para ti a melhor canção de ninar..."

quarta-feira, abril 6

Agatha - Tick, Tock, Tick, Tock...

- Abençoado seja por atender esse bendito telefone. - disse eu com uma voz um pouco histérica - Tô te ligando tem 10 minutos e nada de você atender.
- O celular estava do outro lado do quarto. - ele bocejou - aconteceu alguma coisa?- Sua voz estava rouca, tentando se localizar. Ele tinha acabado de acordar. Eu tinha acabado de acordá-lo.
- Eu tive um pesadelo horrível com você. Onde um salgueiro drenava o seu sangue e eu não conseguia te salvar.  Eu acordei apavorada...preocupada... - minha voz falhou e me entregou. Respirei fundo para não parecer uma idiota chorando por causa de um pesadelo - E o seu pai, como está? Como estão todos aí?
 Ele percebeu que eu estava chorando mas não comentou. Eu consegui vê-lo dar aquele sorriso sem graça.
- Esquece esse sonho, eu estou bem...e preocupado também...ontem saiu o resultado daquele exame que eu te disse na segunda...que ele vai ter que fazer uma cirurgia para remover o tumor antes que se agrave... - senti a sua voz murchar.
- Vai dar tudo certo, querido. Vaso ruim não quebra, lembra? - Ele riu, um riso desajeitado, preocupado, lembrando-se daquela vez que o pai dele sofreu um acidente de carro. Chegamos no hospital desesperados e quando o encontramos, ele estava rindo. Quando nos viu disse "vaso ruim não quebra, filho".
- Eu tenho medo, Agatha...
- Sei que tem. Mas tenta esquecer esse medo. Tenta não pensar no pior. A sua mãe precisa do seu apoio, o seu pai precisa do seu apoio. Eu estou aqui para te dar o meu apoio.
- Eu sei disso. Obrigado por existir.
- Bem, desculpa por ter te acordado. Manda um beijo para os seus pais. O desfile vai ser na sexta de manhã, então a noitinha eu pego o primeiro avião para Pelotas.
- Acho bom mesmo porque eu preciso de você aqui.... Ah, boa sorte hoje.
- Boa sorte porquê?
- Hoje você não tem ensaio com as modelos e tudo o mais?
- Porra, eu já ia esquecendo disso - Se eu não fosse a Paula iria me matar - O que eu faria sem você, hein? - não gosto dessas coisas melosas, mas as vezes não consigo evitar - Vou desligar, preciso fazer muitas coisas ainda hoje... Se cuida ai. Beijos. - nem esperei ele me responder. São 5 da manhã e eu não estava com sono, liguei a tevê e depois de alguns minutos cochilei. Acordei com o celular tocando.

domingo, abril 3

Desalinhada

    Estranho é essa sensação de perda de alguém que eu nunca conheci. Como você perde alguém que nunca viu, Estranho? O que posso fazer com esse vazio que me parece infinito e que toma conta dos meus pensamentos quando eles adormecem?
   Você viu o meu riso por aí? Eu o perdi já faz um tempo e não o acho em lugar algum. Achei um forçado na gaveta do meu criado mudo mas é estranho usá-lo, ele não soa como meu. Alguém roubou o meu reflexo no espelho e pôs um falso lá. Essa garota apática, sem vida e com esse olhar fosco não sou eu, Estranho, acredite quando eu digo isso.
   Eu tenho lutado contra o meu sono mas ele sempre me vence, então eu me agarro aos meus sonhos desejando que eles me livrem dessa realidade cinza. A tristeza me abraça carinhosamente enquanto eu me sinto um boneco de lata com a bateria fraca. Me diga, estranho, se a minha cura existe onde ela está?

sábado, abril 2

Agatha Medos

       Naquele momento, no meio daquele bosque, naquela chuva, eu só conseguia ouvir três coisas: o meu coração martelando o meu peito, a pressão no tímpano e Lucas gritando meu nome. Por mais que eu andasse não conseguia achá-lo. Aquela sensação de perda atingiu meu pulmão e agora me faltava ar. Eu não conseguia mais chamar por ele, não conseguia distinguir um palmo a minha frente. Caí de joelhos naquela terra molhada, desnorteada, quando um vento forte soprou o meu rosto e naquela minha visão turva eu achei a sua silhueta a uns 3 metros a minha frente.
      Ele usava uma camisa azul com a bermuda ocre que eu dei a ele no natal. Estava desmaiado perto de um carvalho doente, uma poça escura se apossa do seu peito e então percebo que filetes de sangue estão indo ao encontro do salgueiro. Eu tento me mexer mas minhas pernas afundam na terra, tento me segurar em qualquer coisa fixa mas é impossível. Tento gritar mas não consigo emitir som algum. A chuva fica mais densa e forma uma cortina quase sólida. Eu perco a visão de Lucas e apago.
       Me faltava ar. Em algum momento do sonho eu devo ter deixado de respirar ou pelo menos era essa a sensação que eu tinha. Levantei da cama com um pulo, tentei controlar a minha respiração, me acalmar. Estava toda ensopada de suor, me cabelo estava completamente molhado e eu estava morrendo de frio em pleno verão carioca as 3 horas da manhã. 
      Tomei um banho demorado e fui até a cozinha pegar um pedaço de pudim de leite. Acendi um cigarro pelo caminho e abri a porta do meu quarto. Deixei o prato com o pudim na minha antiga escrivaninha e me debrucei na janela do meu quarto. Meus pais se mudaram a uns quatro outonos atrás e fizeram questão de trazer todo o meu quarto de garota para cá. Minhas revistas, meu puff azul, meus bichinhos de pelúcia, ou pelo menos os que eu deixei para trás quando fui morar com Lucas. Dei mais um trago do meu cigarro e encarei o meu celular. Eu precisava falar com ele e não podia esperar o sol nascer.

segunda-feira, março 28

Poça d'água

   Presente é passado e futuro, o futuro é presente e passado, o passado é futuro e presente. É um instante preciso e impreciso que embaralha o agora de cada dia e hora. É algo que eu sinto, vejo e ouço. É música, é palavra, é vento, é vida.
  Não sei se proseio ou poetizo a vida, o que busco é a essência dela e tento no entanto destacá-la à olhos desconhecidos, curiosos e amigos. Aproveito cada instante que ela me presenteia com todas as veias do meu ser, mesmo os meus erros, minhas lágrimas e frustrações. As vezes penso que sou a coadjuvante da minha vida, outras penso que sou apenas uma figurante e as vezes que restam, eu sou a personagem principal dela. De uma forma ou de outra eu estou nela. Ela tem a minha marca em cada parágrafo e folha. Eu estou nas palavras que nela são inscritas e escritas.
   Palavras, palavras, palavras. Amo o som dessa palavra de tantos sentidos, que transforma a minha vida em um carrossel de cores, em montanha russa de risos e lágrimas. É minha canção de ninar, a tinta que preenche a tela branca do pintor, é o ponto nevrálgico do meu ser.

domingo, março 27

Agatha, respire.

- Você já falou com a produtora e o stylist sobre as peças que vão chegar amanhã? - Eram dez e meia da manhã e eu estava no Starbucks com a Paula resolvendo os preparativos para o desfile da nossa coleção na semana que vem. Como sempre...segunda feira.
  Nós duas estávamos super nervosas. Paula não parava de tomar café e só naquela manhã eu acendi dois cigarros. Quando sai de casa e quando eu cheguei, já que o shopping ainda estava fechado. Como aqui é ambiente fechado eu já tomei três xícaras de Earl Grey, uma dose de licor de cacau e um suco de maracujá bem forte. Mas eu não paro de bagunçar o meu cabelo, rabiscar no meu caderno e balançar a perna.
- Falei sim. A Juliana vai pegar as peças as três da tarde e o Ricardo vai levar as meninas para a penúltima prova. O que mais a gente precisa resolver? - joguei o cabelo para trás e o prendi num coque para que ele não ficasse mais horrível do que parecia estar.
- As músicas e os convites. Ah, na terça que vem tem o ensaio geral. - ela tentava estalar as mãos pela terceira vez. Como não tinha mais osso algum para estalar, estalou o pescoço, os ombros... é, cada um tem um jeito de aliviar a tensão.
- As músicas eu escolho algumas, você escolhe outras e a gente manda para a Juliana na quinta feira.  Os convites estarão prontos amanhã a tarde, ai é só enviá-los, eu mesma faço isso... - anotei tudo no meu caderno e olhei para o estrago que eu havia feito nas minhas unhas. Metade delas já roidas. - Já tinha me esquecido o quão estressante é preparar um desfile...olha o estado das minhas unhas! Sexta que vem elas têm que estar divinas... quer saber, eu vou pra casa dos meus pais, senão vou surtar naquele apartamento, já que o Lucas não vai estar lá...
- E porquê não?
- Ele embarca amanhã pro Sul. Vai visitar os pais porque o pai dele tá muito doente...vai dar uma força pro velho dele. Eu fico triste por não ir. Adoro os pais dele mas até semana que vem estarei presa aqui no Rio... Esse desfile tem que dar super certo!
- E vai dar! Nos preparamos para isso desde a época da faculdade. Nosso primeiro desfile foi um sucesso. E esse também será.
  É a tensão do desfile, a viagem do Lucas, a doença do meu sogro... será que eu sobrevivo até semana que vem? ou será que pelo menos o meu cabelo sobrevive até lá? Porque do jeito que eu mexo nele, acho difícil. até semana que vem meu pulmão estará mais negro que carvão. Acho melhor eu parar com o cigarro antes que ele acabe comigo.
- Que assim seja.

sábado, março 26

Agatha. Detalhes

"Que barulho insuportável! Dá onde tá vindo isso?" Foram os meus primeiros pensamentos do dia. Dia de ressaca e eu nem tinha me dado conta ainda. A minha cabeça latejava a cada movimento do meu corpo e o barulho do despertador só piorava. A dor era tão forte que eu não conseguia abrir os olhos. Apoiei meus braços na cama e levantei. Andei até o banheiro de olhos fechados e pés descalços. Chutei uma garrafa e pisei num tênis até alcançar a porta do banheiro. Fui para debaixo do chuveiro com roupa e tudo.
- Você já acordou? Pensei que eu só te veria de pé a tardinha. - a voz dele de sono sempre me envolvia com uma suavidade excepcional, mas agora ela parecia colocar o meu cérebro numa camisa de forças. Nunca mais bebo tanto na minha vida. - Nós não dávamos uma festa assim desde que nos mudamos para cá. - enquanto ele falava, eu estava sentada no box quase em transe. Ouvi um barulho de garrafas, provavelmente ele as estava catando.
Tentava me lembrar da noite passada. Bem, tinha muita gente, música ambiente, bebidas, pizzas, sorvetes, tequila, vodka, rum, vinho..." quantas taças de vinho eu tomei?" sussurrei pensando que, talvez se eu falasse a memória voltasse. Eu dancei aquele tango de bêbado e ri disso...conversei com algumas meninas sobre moda, garotos e fofocas... lembro-me de alguém ter me carregado no colo quando eu quase cai da escada.
- Lucas? - eu o chamei no tom mais alto que a minha ressaca me deixava alcançar. Escuto seus passos e vejo sua sombra na porta do box.
- Fica aqui comigo. - disse numa voz cortante. Eu iria apagar a qualquer momento e não gostava da ideia dele me esquecer ali. Ele olhou para mim como quem olha uma criança brincando com um barquinho de papel. Ele sorriu. Sentou ao meu lado, debaixo do chuveiro e me abraçou.
- Eu não vou lavar as roupas depois. - disse ele com aquela voz brincalhona.
- A gente faz o seguinte. Eu cuido das roupas, do quarto e da sala. Você cuida do resto. 
- E da comida. Porque depois do trabalho que vai ser colocar essa casa em ordem, não vou conseguir parar em pé. 
- Pode deixar. - então em voltei a dormir. A voz dele era a minha melhor canção de ninar. A ressaca continuava lá, firme e forte. Mas eu comecei a ignorá-la. Ele sempre rouba toda a minha atenção.  

terça-feira, março 22

Agatha

   No meu recanto eu só tenho que me preocupar em pegar outra garrafa de vinho e acender outro cigarro. Já estou nas últimas páginas do romance que comecei a ler a duas noites atrás. Até poderia dizer que ele se tornou meu mais novo livro de cabeceira, mas ele raramente chegava a pousar no meu criado mudo. Ou eu dormia com ele aberto em meu peito ou na rede que ficava no quintal da casa que antes era dos meus pais e que agora é minha.
   A tal casa fica no interior de Minas. E me traz boas recordações. Quando as coisas estão correndo demais no Rio, eu venho para cá em busca de ar puro e de criações. Sim, criações. Tenho que preparar minha coleção de outono inverno. Sou sócia de uma grife com uma amiga, Paula. Vim para Minas a quase dois meses para clarear minhas ideias. Quando a cidade grande começa a atrapalhar suas perspectivas, sua respiração e embaralhar seus pensamentos com tanta poluição, e aqui incluo a sonora e a visual também, você tem que fugir dela.
  Eu só preciso de mais cinco croquis para voltar para o Rio. Para o inferno do Centro da Cidade e acredite, se quiser, eu sinto falta disso. Mas acho melhor eu terminar logo esse livro. John tem que alcançar o trem se não, perderá Alexa para sempre. Ainda terei de me arrumar para mais tarde. Lucas, meu noivo, irá me buscar daqui daqui a duas horas. Vai ter um show de Jazz aqui por perto e eu não posso perder isso!

segunda-feira, março 21

Renascimento

      Queria te dizer aquilo que secreto o meu travesseiro a não te dizer tudo que sonhei, chorei e que senti. Mas de uma certa maneira você consegue descobrir tudo isso só de olhar para os meus olhos. Você enxerga algo que eu não enxergo no espelho. Você gosta do que vê, dá um sorriso sem graça – que me faz derreter -  e me faz acreditar em tudo que eu nunca tive fé. Eu quis te conhecer e te conheci. Mapeei seu corpo e mente e  ignorei aquilo que eu deveria saber e tive que aceitar mais tarde o fato de você ter preferido ir a pé e sozinho.
     Eu só lamento por não ter dado certo, de verdade. Eu chorei por muito tempo, manchando o meu rosto com esperanças infantis. Andei por cima de um lago congelado e senti o gelo se partir em baixo dos meus pés. Constantemente eu parava de me debater na água e deixava o meu corpo cair. A água congelou boa parte de minhas memórias, quebrando-as em seguida e eu gostei. Já começava a me erguer com algo que não é meu.
  Meus lábios estão roxos, meus olhos vermelhos, minha pele pálida e molhada mas eu nunca me senti tão viva quanto agora. Eu respiro como se respirasse pela primeira vez. A neve me abraça e é nela que irei me refazer. Deixarei a noite me moldar.Acho melhor você não olhar, poderá não gostar do que verá. Acho melhor você observar de longe o que eu estou para me tornar. Estou arrancando as peças que vieram com defeito. Estou me remodelando para não cometer o mesmo erro.
     Pensava que meus olhos estavam bem aberto mas você me fez ver que não. Te agradeço por isso e por ter me mostrado que deveria ter seguido só, como eu estava acostumada a seguir. Você foi um companheiro de uma curva na estrada e espero que essa estrada te leve ao lugar que você queira ir. Espero que saiba que eu já sai dela, voltei para aquela que você me encontrou e vou seguir outra um pouco mais a frente. 
   Achei que não daria certo e mais uma vez me enganei. eu continuo rindo do vento, fazendo caretas no retrovisor e ouvindo música bem alto. Eu me programei para desamar, para não errar, para não saudar a tua voz, teu cheiro e boca.

sábado, março 19

Desconhecido

Era disso que eu precisava. Uma festa só de garotas, uma reunião para a inauguração do meu apartamento. Filme, pipoca, música, videogame, risadas, fofocas, calcinha e sutiã!
  Bruna preparava biscoitos com Thársila, enquanto Gabriela e Amanda jogavam mario kart na sala. Eu tinha acabado de preparar uma bacia de pipoca para o filme que a Bruna indicou. Gabriela falou alguma coisa, mas eu não entendi. Parei no meio do caminho como se algo estivesse errado. Eu entrei no meu quarto para ver se tinha algo fora do lugar. Ele estava arrumado, do jeito que eu deixei. A cama estava arrumada, travesseiros em cima, o guarda roupa só tinha as roupas de cama e poucas roupas já que a maioria estava na mala. Do outro lado havia a minha escrivaninha com o meu notebook, uma pilha de caixas ao lado e um porta retrato.
 Eu voltei, sentido aquele aperto na garganta, senti meu coração congelar. As meninas me olhavam preocupada. O que eu havia perdido? Eu ia desmaiar se não achasse o que procurava... mas o que eu procurava? 
Quando passei pelo corredor encarei a porta do banheiro. Segurei a maçaneta e senti meu coração pulsar outra vez. Mas totalmente fora de controle. Achei que iria cair dura naquele momento. Girei a maçaneta e a porta se abriu. De fora do banheiro eu vi um pulso inanimado. Eu corri até ele. Eu parei na porta do banheiro. Eu havia perdido a noção do tempo. Só conhecia a noção de lembranças futuras. 
 Seu corpo estava gelado por causa do gelo. Seu rosto estava submergido. Eu me desesperei, chorei, chamei por ele e nada. Ele não tinha vida. Busquei da força que eu não tinha para tirá-lo de lá. Enrolei ele numa toalha tão branca quanto a pele dele. Eu não sentia o seu coração bater. As garotas me ajudaram a levá-lo para o quarto. Tirei todas as cobertas, lençóis e joguei em cima dele. Sua pele estava tão gelada que chegava a queimar. 
- Anda, acorda. Você não pode me deixar, lembra?! Por favor, acorda - as lágrimas embaçavam a minha visão. Eu já não conseguia enxergar direito. Meu desespero foi aumentado. Eu me enfiei debaixo das cobertas, abracei o corpo dele querendo esquentá-lo. 
- Obrigado - Ele disse num sussurro. 
Então eu olhei para aqueles olhos tão negros quanto um buraco no espaço. E apaguei ao lado dele.


> Eu não inventei isso. Não conscientemente. Esse é um sonho que eu tive a 2 anos atrás que eu não consigo esquecer. O mais engraçado é que eu não conheço esse homem e não lembro da fisionomia dele...

segunda-feira, fevereiro 28

Silence Remains

> nunca criei um post atrás do outro, não que eu me lembre. Bem, tem sempre uma primeira vez para tudo.


- So what did happen to us? - she asked him with a sad voice she was trying to hide.
- Maybe we forgot what means "us". - he said it trying to understand the situation
- I think we never knew the meaning of "us". -- she thought "We were never meant to be".
- Sorry, I never meant to hurt you. - He was losing his words.
- I know that, but...what if I miss you? what if I wake in the morning missing your touch? Your voice? What could I do to fix that? - she couldn't believe she was losing that love. She have already lost.
-I got no idea. But one day someone will fix you and love you the way you deserve to be loved. You know you were everything to me, dont ya? - He tried to comfort her but he knew it was impossible for now. It made he feel he was the worst man in the world. But he knew he wasn't and so does she.
- So why do you stop loving me so fast?  - her puzzle was incomplete. "Where are the others pieces?" she thought.
- I really don't know.
- Wish I could know when your love for me was dying. I could fix that. - she could feel his kisses beginning cold but she prefered to believe it was just her imagination. His love beginning cold. So cold it left her a mark. So was that she was thinking.
- No, you couldn't. - silence - I hope we could be friends. I really want your friendship.
- How could I be only your friend if you never teached me that? I don't want to loose what you feel for me...cause it is all that rested of your love...if you really loved me... but the point is... I don't know how to be only a friend for you. I can't be more masochistic that I'm being! - she controlled her breath cause the tears was coming up. - You should teached me that before you said you loved me. You should never said you loved me, and I should never trusted in you for that.

> achei que esse conto ficaria melhor em inglês. Com certeza tem vários erros ai...mas eu tô com preguiça de acertar.

Gotas de vida.

   E a chuva lá fora cai. Cai com vontade, cai para admirar o menino apaixonado, para inspirá-lo a amar ainda mais aquela que seus olhos captaram. Ela cai para molhar a terra cinza de tristeza, para celebrar uma vida, para levar uma morte. Cai para aliviar o peso desse ar da cidade grande, desse mundo tão grande e tão frágil.
   A chuva lá fora cai para lembrar que tudo passa. Que tudo ela leva. Ela cai para saciar a minha sede de felicidade simples, para me presentear com cheiro de terra molhada, para me fazer sentir despreocupada e segura. Ela me faz rir quando estou nela, quando vejo uma criança brincando na lama e percebo que essa criança também está dentro de mim. Ela mantém viva minhas melhores lembranças melancólicas de uma maneira saudável. Ela me escuta e me faz sentir um bem estar que só sinto quando ela cai. Ela cai para me guardar.

sexta-feira, fevereiro 25

Desalento

   Não sei o que sentir. Sinceramente não sei. A nostalgia me tomou essa semana e eu me sinto totalmente inútil... fútil...sem propósito algum. Se a minha vida tivesse um soundtrack, provavelmente teria um mixed de "Like a Rolling Stone" do Bob Dylan, "Quelqu'un M'a Dit" da Carla Bruni, "Nothing Left To Lose" e "You" do The Pretty Reckless... pensava já ter superado isso.
 Eis que ontem eu decidi alugar Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e hoje eu o vi, e percebi que tem muitos pontos que cruzam com o meu asfalto. Me senti estranha vendo aquele filme... como se eu tivesse vendo os meus últimos meses...e visse o que eu queria fazer com tais lembranças... Tinha frases no filme que pareciam Déjà Vu para os meus ouvidos...e então eu via rostos, ouvia vozes, pude sentir até o cheiro. Cheiro, vozes e rostos de um sonho que eu pensei que fosse real.

" I thought maybe you were a nut... but you were exciting. "
I wish you had stayed. "
I wish I had stayed too. NOW I wish I had stayed. I wish I had done a lot of things. I wish I had... I wish I had stayed. I do. "

Ainda tem uma citação excelente de Nietzsche:
Blessed are the forgetful, for they get the better even of their blunders."



quinta-feira, fevereiro 17

Questionar é complicado.

  Não sei o que escrever. Não sei o que escrever porque não sei o que sentir. Acho que sinto tudo. Acho que sinto nada. Acho que só "achar" não tem valor, porque não tenho uma certeza. E a minha dúvida não é questionável, já que eu não sei o que questionar. Acho que enlouqueci. Só acho. Mas onde é que está a certeza? Será que tenho alguma? Duvido até da existência de alguns e te digo que nunca pensei na minha. Acho que eu tenho uma vida ordinária. Só acho.
  Acho que em alguns momentos eu tenho certeza de algo. Mas ela se torna questionável e eu percebo que ela não existe. Minha certeza é uma amiga imaginária que as vezes eu questiono sua existência. Assim como tantos sentimentos e pensamentos, ora acho não serem nada, ora acho serem tudo. Mas eu só acho.

sexta-feira, fevereiro 11

Apenas uma peça falida.

 Brincando você me disse que era frio. Eu não levei a sério, e tudo que você me escrevia, eu acreditei tão cegamente que não percebi que a maioria das palavras eram vazias e nem você percebeu também. Eu participei da sua peça sendo a atriz que pensava ser a personagem e a personagem que tinha medo de ser a atriz. Eu adorava o jeito como você me dizia o que sentia, quando você me provocava e dizia que eu era sua. Não durou muito...mal entramos no começo de tudo quando percebi que seus beijos perderam o sabor, seus pensamentos se tornaram distantes, sua pele se afastou da minha e no final da temporada. Choque. Ninguém esperava aquele final. Decepção é a palavra que descreve meu estado. Decepção pelo fim seco.
Nós poderíamos ter feito melhor. Eu criei o começo e você, o final do começo. A minha personagem não merecia o final da atriz enquanto seu personagem fugia para o Alaska.
 Você me disse que me amava e então o chiclete perdeu o gosto. Eu me sentia uma tola por ter aceitado participar disso. Uma tola por ter acreditado que mesmo rachados nosso amanhã estava a salvo. Mas hoje eu não me arrependo de ter vivido lágrimas, beijos e poesias. Sinto muito por essa situação, por agora não conseguir ser apenas uma amiga,  por ainda manter a personagem e ainda te amar. 

segunda-feira, janeiro 17

Consegue entender?

  Ninguém é perfeito e eu sei exatamente disso. Minha alma é critica, é orgulhosa e egocentrica. E não culpo ninguém por isso, porque se culpasse, estaria negando o meu reflexo. Meu exemplo está muito longe de alcançar uma pseuda perfeição. Na maioria das vezes eu sou educada por obrigação e simpatia. Estou sempre corrigindo as pessoas porque acho que assim vou estar ajudando elas, nunca prejudicando... só prejudico quando eu não gosto da pessoa. Sou sincera e bastante grossa quando preciso ser e é por isso que as pessoas me julgam como metida, "Querendo ser Deus", "Dona da Verdade" e fria. [esse parágrafo é sobre os meus defeitos, ou os maiores deles]
 Eu posso ser muito melancólica quando eu caio naquela rotina de não fazer nada e com isso querer a sua atenção porque me sinto isolada. É quando a carencia me ataca. Eu tenho medos...medos que ninguém pensaria que eu pudesse ter. Medos sociais, imaginários, seja lá o que forem, já que eu nunca soube me relacionar com outras pessoas. E quando eu sabia - ou melhor - quando eu sei eu me importo com essa pessoa. Eu luto por essa pessoa. Eu me desespero, me preocupo, carrego suas dores, absorvo sua felicidade. Eu procuro ajudá-la de qualquer maneira mas meto os pés pelas mãos. Eu sou uma desastrada em todos os sentido e não sei a hora certa de dizer eu te amo...até porque é raro eu dizer...
  Sim, eu sonho. Sonho até demais, sempre. Toda noite antes de dormir, todo dia antes de acordar, quando eu ando, ouço música, quando leio por isso me chamam de sonhadora, de Alice, dizem que eu vivo no mundo da Lua. Porque lá eu me sinto mais forte já que aqui eu sou quase uma carniça. Sempre fui um peixe fora d'água...ou melhor...um pássaro dentro d'água e, também um tanto pessimista. [dois parágrafos para as minhas fraquezas]
  Sou uma boa ouvinte. Estou sempre ajudando os outros e quando não consigo, me sinto mal. Não consigo ficar muito tempo sem rir, não gosto de ver ninguém triste, não gosto de dormir, não gosto de acordar tarde, adoro um bom livro, uma boa música, adoro comer morango, melancia, adoro ir ao cinema, comer uma boa pizza com a mão, adoro sorvete, adoro cantar, pular, algodão doce, de ficar na praia a noite, de deitar no chão e ficar vendo o céu, de olhar pra lua, de tirar fotos, adoro moda, tocar violão, adoro desenhar e adoro implicar com quem eu gosto.
 Depois disso acredite se quiser mas a minha simpatia é timida. E acredite também que eu posso ser bastante extrovertida se for pra deixar todos confortaveis e menos tímidos, se o sangue estiver vivo ou se eu não saber o que fazer. Sou sempre a primeira a chegar na pista de dança e a ultima a sair de lá. Alguns até dizem que eu não tenho o botão "desligar". Eu nunca fiquei bêbada, odeio cigarro, eu choro...e muito e sou também um tanto otimista. [dois parágrafos sobre o resto]

sábado, janeiro 8

Her every Morning

  Ela acorda, toma seu chá e tira a roupa. Sua pele se arrepia ao toque gelado do banho matinal. Ela respira fundo e deita a cabeça para trás, a água percorre seu corpo fazendo caminhos. Ela respira e se ensaboa massageando a sua nuca. Ela espirra ao sair do banheiro e o telefone toca e molha a casa toda para atendê-lo. Ela pensa em como seria bom não existir para eles por alguns dias. Ela tranca a porta e corre para pegar o trem. A estação estava vazia nessa sexta de manhã. Era véspera de feriado e a maioria foi viajar. Ela senta e coloca seu fone de ouvido ela não quer saber de ninguém ali por perto. Seus pensamentos estão longe e são quase vazios. Ela percebe que um gato gordo a olha no colo de uma mulher parada do lado de fora da estação mas logo a imagem se embassa e muda constantemente a cada vez que ela pisca os olhos. Ela tenta não piscar tanto e percorre com o olhar todas as nuvens daquele céu nublado. Enquanto ela vê formas nas nuvens e sorri para o nada, ele, que está em pé do outro lado do vagão, a olha com carinho e sorri.
   Anda sempre de cabeça baixa para não esbarrar em um olhar curioso e faminto. E nas poças d'água ela encara o seu reflexo.
  Já nos degraus da revista em que trabalha, no departamente de criação, seus primeiros "bom dias" são ditos, tão falsos quanto os que são recebidos. Chegando no escritório ela pega sua pasta de criações dentro de uma gaveta trancada e a põe na mesa. Ela se abaixa para pegar os papéis que acabaram de cair e os lápis vendo a cena se formar sentem vontade de pular de sua mesa também. Ela pega tudo e coloca de volta a mesa e então olha pela janela. Ela encara o seu próprio reflexo, o vazio que há naqueles olhos negros que desejam ser preenchidos por algo que ela ainda não sabe o que é. Ela olha para dentro deles e procura por algo que ela não faz se quer a mínima ideia do que seja. Ela parece distante, pensando em nada em particular.
  É então que o celular dela toca. A rotina a chama de volta para a realidade monótona de todos os dias serem sempre o mesmo dia sempre. Ela deseja mais uma vez ser esquecida por eles. Ela deseja mais uma vez encontrar algo de valor. O que você perdeu? Do que você precisa, minha menina?

quinta-feira, janeiro 6

Certas palavras

  Meu coração não bate como o seu bate porque a armadura dele é diferente da armadura do seu. É ela que controla todo o calor que emana dele, o calor que o ar dos meus pulmões precisa para a minha voz sair  mas meu coração é uma marionete que não pode gritar o que sente e principalmente dizer o quanto você me faz bem. 
 Eu queria que o grilo feridasse o silêncio da minha voz...
    Eu não respiro como você respira porque a minha freqüência é mais baixa que a sua. O ar que respiro é pesado demais para os meus pulmões e leve demais para expulsar essas palavras, covardes demais para se atirarem. Eu te peço desculpas por isso.
  Às vezes quando me olha eu me esqueço que existo. É então que a minha boca se abre mas as palavras não saem porque a necessidade é outra. Meu fôlego percebe que seus lábios buscam, desesperados, o calor dos meus.
  
Será que o meu silêncio não basta? Terei que ouvir o seu também? E a sua atenção e paciência? Eu preciso delas. Eu te dou as minhas. Preciso ouvir a sua voz sintonizando aquelas palavras, faça a minha pele absorvê-las e ecoar por todo o meu corpo. Repita todos os dias porque a memória do meu coração é curta. Quebre essa armadura. Quebre esse silêncio.