quinta-feira, abril 28

Frustração, desejo e texto.

    Olho para a tela e não há nada lá a não ser o piscar do cursor, afrontando-me, inibindo minha mente de trabalhar como se eu fosse a cobaia de uma lobotomia bem sucedida. Me encontrava no meio da escassez de ideias e palavras. Meu córtex foi desligado, ou melhor, sintonizado em outra frequência que não pegava a tempestade de palavras que deveria me molhar.
   Eis que surge uma ideia. Uma explosão de palavras silenciosas se desencadeia. O Brainstorm que eu esperava deixou meu corpo visível. Pude tocá-lo, sentí-lo e refrescar a minha alma. Aquela sensação me tomou. Me prendeu. Estou presa em palavras, música. figuras, corpos e almas.
  O cursor não piscava mais, ele marcava o tempo entre as palavras enquanto meus dedos dançavam sob o teclado, se embolando e dando vidas a palavras que formavam a sinfonia eufórica da eufonia que ecoava dentro de mim.

terça-feira, abril 26

Film du Chanson triste.

    Eu pensei em poucas palavras, muitas vezes. Eu sonhei com poucas cenas, sonhei demais. As vivi em algum filme improvisado com um roteiro patético que eu produzi ao longo desses dias inacabáveis que meus olhos cinegrafistas, obcecados por um clímax, preferiram não me dizer quando eu deveria parar de sonhar.
  Eis que meus momentos apáticos surgem de baixo de películas e mais películas que se espalham por todo o canto. Eu corto cenas, emendo em outras mas esse filme não tem fim e eu continuo a sonhar, a produzi-lo e a dirigi-lo. E a esperar, esperar por um conto que não existe, que não pode ser contado e nem lido, que está preso no silêncio dos esquecidos, algemado por esperanças mortas que não me deixam emergir.
  Eu me afogo nelas, na imensidão dessa cartase azulada que deveria me resgatar de tudo isso, mas eu me afogo mais e mais. Me enrolo nessas fitas, nesses negativos que não me largam. Eu não os largo. E é nesse dilema masoquista que monto minha trilha sonora. Músicas que agora me lembram desse vazio que um dia ninguém acreditou que pudesse existir.
   E esse tal climax não chegará. Eu sei disso. Continuarei abraçada a essa ideia frustrante até ela me odiar e me deixar. Como um dia a minha sombra fez e como certamente o meu reflexo fará mais cedo ou mais tarde. Mas eu não os culpo. Esse filme é uma droga mesmo, com todo o sentido da palavra.

quinta-feira, abril 21

Agatha - Taquicardia

    Não pensem que eu consegui dormir. Eu não sinto o tempo desde terça feira. Ele passa por mim num piscar de olhos, e quando eu o vi... cá estou na sexta feira, as seis da manhã, tomando banho. Aquele bem demorado para me acalmar. Paula vai chegar daqui a duas horas para irmos para o píer. Passei a quarta feira toda entregando os convites a amigos, a familia e aos calouros da faculdade. Cheguei em casa tomei banho e fui dormir. Nem comi nada.
   Me enrolei na toalha e fui para a cozinha tomar um iogurte para não sair com o estômago vazio. A cada passo que eu dava mais nervosa eu ficava e o relógio da cozinha me deixava mais nervosa ainda com aquele tic-tac que fazia. Resolvi acabar com o pouco de Froot Loops que ainda tinha. Suspirei e subi para o meu quarto. Hoje será: da casa dos meus pais para o desfile, do desfile para a minha casa, da minha casa para o aeroporto.
  Revisei todo o mapa do desfile mentalmente enquanto colocava o meu short jeans, o mocassim de veludo, minha camisa de seda e a camisa xadrez que eu comprei em um bazar vintage anteontem. Fiz um coque meio solto e uma maquiagem bem nude, até porque eu sei que quando eu chegar lá o Julio vai dizer que eu estou muito simples e vai fazer uma obra de arte no meu rosto.
  Pelo caminho Paula e eu viemos fofocando sobre as duas modelos que se pegaram no camarim e sobre Ricardo estar noivo de um fotógrafo. Viemos rindo, descontraídas. Foi então que avistamos o piér e aquele frio na barriga se espalhou, devorando todas as minhas células.
- Vamos? - disse Paula ao desligar o carro. Respirei fundo e abri a porta do carona.
  Eram quinze para as nove da manhã. Nossa coleção desfilará as onze. Meu pai acabou de me ligar dizendo que estava a caminho, com a minha mãe e o meu irmão mais velho, Eduardo, que chegou da Nova Zelândia ontem. Ele é fotógrafo e foi cobrir um festival de música, tipo Coachella.
  Encontrei alguns conhecidos da faculdade, alguns amigos que chegaram mais cedo, ri um pouco e fui para o camarim. As modelos já se aprontavam. Juliana separava as próximas roupas, Ricardo dava uma conferida no "repertório" e Paula falava no celular, ou melhor cochichava.
- Agatha, vem aqui que eu vou dar um jeito nesse cabelo e nesse rosto. Cadê as cores nesse rosto? Isso tá nude demais! Parece que morreu. Ah, não. Pelo menos uma sombra fucsia! - Lá vinha Julio me arrancando risos.
  Sim, eu estava muito quieta, muito nervosa, tinha decidido parar de fumar e a minha caixa de chiclete já tava acabando. Aquela correria nos bastidores me deixava mais tensa. Isso sem falar que eu não podia mexer no meu cabelo, senão Julio iria arrancar a minha pele.
  Paula e eu estávamos auxiliando algumas modelos na hora de se trocarem. Eu consegui ver os meus pais na fileira B. Eles estavam sorrindo e conversando. Vi alguns blogueiros na fileira A mexendo nos celulares. Provavelmente tweetando sobre o desfile. Sobre o meu desfile.
- Agora é a nossa vez, Agatha! - disse Paula me puxando. Tinham três modelos na nossa frente. Todas mais altas que eu. Minhas mãos ficaram geladas e um sorriso nervoso se instalou nos meus lábios. Eu passei o desfile inteiro em transe. Mas agora eu via tudo nitidamente.
   Segurei o braço direito de Paula e nós fomos para a passarela. As outras modelos nos aplaudindo, as pessoas comentando, nos ignorando, aplaudindo. Flashes me cegando, sorrisos em minha direção. Então Paula larga o meu braço. Eu me curvo em agradecimento e olho para o espaço que ela ocupava antes de largar o meu braço e encontro um buquê de lírios na minha frente. Por trás dele, Lucas sorria e eu sorria de volta.
- Parabéns, amor - Disse ele bem baixinho
- Thank you, darling - eu respondi meio sem jeito. Peguei o buquê e Paula apareceu me aplaudindo do meu outro lado. Eu peguei a mão dela e a ergui.
- Era com ele que você andava aos cochichos não é?
- A ideia foi toda dele.
  Eu me sentia uma boba sorridente. Meio pesada, meio leve. Histérica e calma. Nós duas agradecemos mais uma vez, fomos para cada lado de Lucas e saímos os três abraçados.

domingo, abril 17

Definindo amor

    Alguém sabe me dizer o que é amar, se não um distúrbio mental que nos deixa em êxtase profundo durante algum tempo, inflando nosso ego e cegando o nosso bom senso ou até mesmo uma fórmula de um bom bolo caseiro, aquele feito com esmero e o resultado é tão bom que acaba rápido [?].
   Quando se vê, a última fatia foi embora. E tem gente que passa mal de tanto que comeu, tem gente que prefere saborear, outros nem mastigam e tem aqueles que custam a acreditar que aquele manjá dos deuses acabou. Todos querem um pedaço, talvez o bolo inteiro mas ninguém se contenta com as migalhas.
   Amor é um estado psicológico, uma doença prazerosa. É um homem feudal que te escraviza, te deixa sem dormir, sem comer e mesmo assim você deseja nunca ter a sua carta de alforria e, diferente do Brasil Colônia, ela chega um dia.
   Amor é uma aglutinação da amizade com a carne e que pode perder alguns elementos, dependendo da pessoa. É uma justaposição, uma parassíntese, um neologismo,  uma catarse, uma metáfora, ele é a linguagem do corpo, da alma e espírito. Ele é um cristão, um ateu, um pagão.
  Amor é teoria em "não prática" e prática em "não teoria". Ele se contradiz, se afirma, voltamos ao início e fazemos um novo final. É psicológico.

sexta-feira, abril 8

Boneca de Pano

      Repare bem, repare bem de perto. Repare nos olhos inanimados da boneca que um dia sentiu algo, algo que nunca soube explicar e que perdeu antes de descobrir o que lhe foi tirado. De um grito silencioso lhe foi roubado um suspiro. Seu mais preciso suspiro.
   Essa boneca de pano pintava uma tela de um modo peculiar que eu não saberia descrever aqui. Mas, mesmo assim, irei tentar. Ela pintava vida quente com gosto de morango maduro, daqueles bem doces e azedinhos, do jeito que gostava de saboreá-los. 
  Ela percorria a ponta do pincel com seus olhos amendoados, aqueles mesmos que nos deixavam admirar a alma daquela boneca que não possuía batimentos cardíacos mas pulsava com o coração mais real que eu já vi.
 Algo dentro dela dormia, de um jeito gostoso de se ver alguém dormir. Sua curiosidade voraz em despertar aquilo, que sempre dormiu, um dia o fez. Ela conheceu a dependência sem saber ao certo o que era, e quando descobriu, o estrago estava feito. 
     Sua tela desmanchou-se, suas tintas desapareceram. Sua vida de morangos estava perdida, solta em algum lugar onde ela não sabia ir. A pobre boneca passava os dias lembrando e sonhando. Fazia perguntas vazias, sem querer saber as respostas, sem compreender o que se passava dentro de si. 
 Ela estava dormindo? estava acordada? Onde posso ir? Onde quero ir?
 "Volte a dormir. Eu canto a ti a melhor canção de ninar".
 Sua garganta se fechou, pôs-se a chorar sem saber o que era uma lágrima. Diante de tanta novidade, seus olhos vagaram, observando o nada e o tudo, enquanto se esquecia de respirar, tentando achar a resposta que nunca conseguiu entender. Sua cabeça pendia para o lado e lá ficava. Encarando o espelho que a lembrava do vazia despertado dentro dela. "Cantarei para ti a melhor canção de ninar..."

quarta-feira, abril 6

Agatha - Tick, Tock, Tick, Tock...

- Abençoado seja por atender esse bendito telefone. - disse eu com uma voz um pouco histérica - Tô te ligando tem 10 minutos e nada de você atender.
- O celular estava do outro lado do quarto. - ele bocejou - aconteceu alguma coisa?- Sua voz estava rouca, tentando se localizar. Ele tinha acabado de acordar. Eu tinha acabado de acordá-lo.
- Eu tive um pesadelo horrível com você. Onde um salgueiro drenava o seu sangue e eu não conseguia te salvar.  Eu acordei apavorada...preocupada... - minha voz falhou e me entregou. Respirei fundo para não parecer uma idiota chorando por causa de um pesadelo - E o seu pai, como está? Como estão todos aí?
 Ele percebeu que eu estava chorando mas não comentou. Eu consegui vê-lo dar aquele sorriso sem graça.
- Esquece esse sonho, eu estou bem...e preocupado também...ontem saiu o resultado daquele exame que eu te disse na segunda...que ele vai ter que fazer uma cirurgia para remover o tumor antes que se agrave... - senti a sua voz murchar.
- Vai dar tudo certo, querido. Vaso ruim não quebra, lembra? - Ele riu, um riso desajeitado, preocupado, lembrando-se daquela vez que o pai dele sofreu um acidente de carro. Chegamos no hospital desesperados e quando o encontramos, ele estava rindo. Quando nos viu disse "vaso ruim não quebra, filho".
- Eu tenho medo, Agatha...
- Sei que tem. Mas tenta esquecer esse medo. Tenta não pensar no pior. A sua mãe precisa do seu apoio, o seu pai precisa do seu apoio. Eu estou aqui para te dar o meu apoio.
- Eu sei disso. Obrigado por existir.
- Bem, desculpa por ter te acordado. Manda um beijo para os seus pais. O desfile vai ser na sexta de manhã, então a noitinha eu pego o primeiro avião para Pelotas.
- Acho bom mesmo porque eu preciso de você aqui.... Ah, boa sorte hoje.
- Boa sorte porquê?
- Hoje você não tem ensaio com as modelos e tudo o mais?
- Porra, eu já ia esquecendo disso - Se eu não fosse a Paula iria me matar - O que eu faria sem você, hein? - não gosto dessas coisas melosas, mas as vezes não consigo evitar - Vou desligar, preciso fazer muitas coisas ainda hoje... Se cuida ai. Beijos. - nem esperei ele me responder. São 5 da manhã e eu não estava com sono, liguei a tevê e depois de alguns minutos cochilei. Acordei com o celular tocando.

domingo, abril 3

Desalinhada

    Estranho é essa sensação de perda de alguém que eu nunca conheci. Como você perde alguém que nunca viu, Estranho? O que posso fazer com esse vazio que me parece infinito e que toma conta dos meus pensamentos quando eles adormecem?
   Você viu o meu riso por aí? Eu o perdi já faz um tempo e não o acho em lugar algum. Achei um forçado na gaveta do meu criado mudo mas é estranho usá-lo, ele não soa como meu. Alguém roubou o meu reflexo no espelho e pôs um falso lá. Essa garota apática, sem vida e com esse olhar fosco não sou eu, Estranho, acredite quando eu digo isso.
   Eu tenho lutado contra o meu sono mas ele sempre me vence, então eu me agarro aos meus sonhos desejando que eles me livrem dessa realidade cinza. A tristeza me abraça carinhosamente enquanto eu me sinto um boneco de lata com a bateria fraca. Me diga, estranho, se a minha cura existe onde ela está?

sábado, abril 2

Agatha Medos

       Naquele momento, no meio daquele bosque, naquela chuva, eu só conseguia ouvir três coisas: o meu coração martelando o meu peito, a pressão no tímpano e Lucas gritando meu nome. Por mais que eu andasse não conseguia achá-lo. Aquela sensação de perda atingiu meu pulmão e agora me faltava ar. Eu não conseguia mais chamar por ele, não conseguia distinguir um palmo a minha frente. Caí de joelhos naquela terra molhada, desnorteada, quando um vento forte soprou o meu rosto e naquela minha visão turva eu achei a sua silhueta a uns 3 metros a minha frente.
      Ele usava uma camisa azul com a bermuda ocre que eu dei a ele no natal. Estava desmaiado perto de um carvalho doente, uma poça escura se apossa do seu peito e então percebo que filetes de sangue estão indo ao encontro do salgueiro. Eu tento me mexer mas minhas pernas afundam na terra, tento me segurar em qualquer coisa fixa mas é impossível. Tento gritar mas não consigo emitir som algum. A chuva fica mais densa e forma uma cortina quase sólida. Eu perco a visão de Lucas e apago.
       Me faltava ar. Em algum momento do sonho eu devo ter deixado de respirar ou pelo menos era essa a sensação que eu tinha. Levantei da cama com um pulo, tentei controlar a minha respiração, me acalmar. Estava toda ensopada de suor, me cabelo estava completamente molhado e eu estava morrendo de frio em pleno verão carioca as 3 horas da manhã. 
      Tomei um banho demorado e fui até a cozinha pegar um pedaço de pudim de leite. Acendi um cigarro pelo caminho e abri a porta do meu quarto. Deixei o prato com o pudim na minha antiga escrivaninha e me debrucei na janela do meu quarto. Meus pais se mudaram a uns quatro outonos atrás e fizeram questão de trazer todo o meu quarto de garota para cá. Minhas revistas, meu puff azul, meus bichinhos de pelúcia, ou pelo menos os que eu deixei para trás quando fui morar com Lucas. Dei mais um trago do meu cigarro e encarei o meu celular. Eu precisava falar com ele e não podia esperar o sol nascer.