sexta-feira, abril 8

Boneca de Pano

      Repare bem, repare bem de perto. Repare nos olhos inanimados da boneca que um dia sentiu algo, algo que nunca soube explicar e que perdeu antes de descobrir o que lhe foi tirado. De um grito silencioso lhe foi roubado um suspiro. Seu mais preciso suspiro.
   Essa boneca de pano pintava uma tela de um modo peculiar que eu não saberia descrever aqui. Mas, mesmo assim, irei tentar. Ela pintava vida quente com gosto de morango maduro, daqueles bem doces e azedinhos, do jeito que gostava de saboreá-los. 
  Ela percorria a ponta do pincel com seus olhos amendoados, aqueles mesmos que nos deixavam admirar a alma daquela boneca que não possuía batimentos cardíacos mas pulsava com o coração mais real que eu já vi.
 Algo dentro dela dormia, de um jeito gostoso de se ver alguém dormir. Sua curiosidade voraz em despertar aquilo, que sempre dormiu, um dia o fez. Ela conheceu a dependência sem saber ao certo o que era, e quando descobriu, o estrago estava feito. 
     Sua tela desmanchou-se, suas tintas desapareceram. Sua vida de morangos estava perdida, solta em algum lugar onde ela não sabia ir. A pobre boneca passava os dias lembrando e sonhando. Fazia perguntas vazias, sem querer saber as respostas, sem compreender o que se passava dentro de si. 
 Ela estava dormindo? estava acordada? Onde posso ir? Onde quero ir?
 "Volte a dormir. Eu canto a ti a melhor canção de ninar".
 Sua garganta se fechou, pôs-se a chorar sem saber o que era uma lágrima. Diante de tanta novidade, seus olhos vagaram, observando o nada e o tudo, enquanto se esquecia de respirar, tentando achar a resposta que nunca conseguiu entender. Sua cabeça pendia para o lado e lá ficava. Encarando o espelho que a lembrava do vazia despertado dentro dela. "Cantarei para ti a melhor canção de ninar..."

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