segunda-feira, março 28

Poça d'água

   Presente é passado e futuro, o futuro é presente e passado, o passado é futuro e presente. É um instante preciso e impreciso que embaralha o agora de cada dia e hora. É algo que eu sinto, vejo e ouço. É música, é palavra, é vento, é vida.
  Não sei se proseio ou poetizo a vida, o que busco é a essência dela e tento no entanto destacá-la à olhos desconhecidos, curiosos e amigos. Aproveito cada instante que ela me presenteia com todas as veias do meu ser, mesmo os meus erros, minhas lágrimas e frustrações. As vezes penso que sou a coadjuvante da minha vida, outras penso que sou apenas uma figurante e as vezes que restam, eu sou a personagem principal dela. De uma forma ou de outra eu estou nela. Ela tem a minha marca em cada parágrafo e folha. Eu estou nas palavras que nela são inscritas e escritas.
   Palavras, palavras, palavras. Amo o som dessa palavra de tantos sentidos, que transforma a minha vida em um carrossel de cores, em montanha russa de risos e lágrimas. É minha canção de ninar, a tinta que preenche a tela branca do pintor, é o ponto nevrálgico do meu ser.

domingo, março 27

Agatha, respire.

- Você já falou com a produtora e o stylist sobre as peças que vão chegar amanhã? - Eram dez e meia da manhã e eu estava no Starbucks com a Paula resolvendo os preparativos para o desfile da nossa coleção na semana que vem. Como sempre...segunda feira.
  Nós duas estávamos super nervosas. Paula não parava de tomar café e só naquela manhã eu acendi dois cigarros. Quando sai de casa e quando eu cheguei, já que o shopping ainda estava fechado. Como aqui é ambiente fechado eu já tomei três xícaras de Earl Grey, uma dose de licor de cacau e um suco de maracujá bem forte. Mas eu não paro de bagunçar o meu cabelo, rabiscar no meu caderno e balançar a perna.
- Falei sim. A Juliana vai pegar as peças as três da tarde e o Ricardo vai levar as meninas para a penúltima prova. O que mais a gente precisa resolver? - joguei o cabelo para trás e o prendi num coque para que ele não ficasse mais horrível do que parecia estar.
- As músicas e os convites. Ah, na terça que vem tem o ensaio geral. - ela tentava estalar as mãos pela terceira vez. Como não tinha mais osso algum para estalar, estalou o pescoço, os ombros... é, cada um tem um jeito de aliviar a tensão.
- As músicas eu escolho algumas, você escolhe outras e a gente manda para a Juliana na quinta feira.  Os convites estarão prontos amanhã a tarde, ai é só enviá-los, eu mesma faço isso... - anotei tudo no meu caderno e olhei para o estrago que eu havia feito nas minhas unhas. Metade delas já roidas. - Já tinha me esquecido o quão estressante é preparar um desfile...olha o estado das minhas unhas! Sexta que vem elas têm que estar divinas... quer saber, eu vou pra casa dos meus pais, senão vou surtar naquele apartamento, já que o Lucas não vai estar lá...
- E porquê não?
- Ele embarca amanhã pro Sul. Vai visitar os pais porque o pai dele tá muito doente...vai dar uma força pro velho dele. Eu fico triste por não ir. Adoro os pais dele mas até semana que vem estarei presa aqui no Rio... Esse desfile tem que dar super certo!
- E vai dar! Nos preparamos para isso desde a época da faculdade. Nosso primeiro desfile foi um sucesso. E esse também será.
  É a tensão do desfile, a viagem do Lucas, a doença do meu sogro... será que eu sobrevivo até semana que vem? ou será que pelo menos o meu cabelo sobrevive até lá? Porque do jeito que eu mexo nele, acho difícil. até semana que vem meu pulmão estará mais negro que carvão. Acho melhor eu parar com o cigarro antes que ele acabe comigo.
- Que assim seja.

sábado, março 26

Agatha. Detalhes

"Que barulho insuportável! Dá onde tá vindo isso?" Foram os meus primeiros pensamentos do dia. Dia de ressaca e eu nem tinha me dado conta ainda. A minha cabeça latejava a cada movimento do meu corpo e o barulho do despertador só piorava. A dor era tão forte que eu não conseguia abrir os olhos. Apoiei meus braços na cama e levantei. Andei até o banheiro de olhos fechados e pés descalços. Chutei uma garrafa e pisei num tênis até alcançar a porta do banheiro. Fui para debaixo do chuveiro com roupa e tudo.
- Você já acordou? Pensei que eu só te veria de pé a tardinha. - a voz dele de sono sempre me envolvia com uma suavidade excepcional, mas agora ela parecia colocar o meu cérebro numa camisa de forças. Nunca mais bebo tanto na minha vida. - Nós não dávamos uma festa assim desde que nos mudamos para cá. - enquanto ele falava, eu estava sentada no box quase em transe. Ouvi um barulho de garrafas, provavelmente ele as estava catando.
Tentava me lembrar da noite passada. Bem, tinha muita gente, música ambiente, bebidas, pizzas, sorvetes, tequila, vodka, rum, vinho..." quantas taças de vinho eu tomei?" sussurrei pensando que, talvez se eu falasse a memória voltasse. Eu dancei aquele tango de bêbado e ri disso...conversei com algumas meninas sobre moda, garotos e fofocas... lembro-me de alguém ter me carregado no colo quando eu quase cai da escada.
- Lucas? - eu o chamei no tom mais alto que a minha ressaca me deixava alcançar. Escuto seus passos e vejo sua sombra na porta do box.
- Fica aqui comigo. - disse numa voz cortante. Eu iria apagar a qualquer momento e não gostava da ideia dele me esquecer ali. Ele olhou para mim como quem olha uma criança brincando com um barquinho de papel. Ele sorriu. Sentou ao meu lado, debaixo do chuveiro e me abraçou.
- Eu não vou lavar as roupas depois. - disse ele com aquela voz brincalhona.
- A gente faz o seguinte. Eu cuido das roupas, do quarto e da sala. Você cuida do resto. 
- E da comida. Porque depois do trabalho que vai ser colocar essa casa em ordem, não vou conseguir parar em pé. 
- Pode deixar. - então em voltei a dormir. A voz dele era a minha melhor canção de ninar. A ressaca continuava lá, firme e forte. Mas eu comecei a ignorá-la. Ele sempre rouba toda a minha atenção.  

terça-feira, março 22

Agatha

   No meu recanto eu só tenho que me preocupar em pegar outra garrafa de vinho e acender outro cigarro. Já estou nas últimas páginas do romance que comecei a ler a duas noites atrás. Até poderia dizer que ele se tornou meu mais novo livro de cabeceira, mas ele raramente chegava a pousar no meu criado mudo. Ou eu dormia com ele aberto em meu peito ou na rede que ficava no quintal da casa que antes era dos meus pais e que agora é minha.
   A tal casa fica no interior de Minas. E me traz boas recordações. Quando as coisas estão correndo demais no Rio, eu venho para cá em busca de ar puro e de criações. Sim, criações. Tenho que preparar minha coleção de outono inverno. Sou sócia de uma grife com uma amiga, Paula. Vim para Minas a quase dois meses para clarear minhas ideias. Quando a cidade grande começa a atrapalhar suas perspectivas, sua respiração e embaralhar seus pensamentos com tanta poluição, e aqui incluo a sonora e a visual também, você tem que fugir dela.
  Eu só preciso de mais cinco croquis para voltar para o Rio. Para o inferno do Centro da Cidade e acredite, se quiser, eu sinto falta disso. Mas acho melhor eu terminar logo esse livro. John tem que alcançar o trem se não, perderá Alexa para sempre. Ainda terei de me arrumar para mais tarde. Lucas, meu noivo, irá me buscar daqui daqui a duas horas. Vai ter um show de Jazz aqui por perto e eu não posso perder isso!

segunda-feira, março 21

Renascimento

      Queria te dizer aquilo que secreto o meu travesseiro a não te dizer tudo que sonhei, chorei e que senti. Mas de uma certa maneira você consegue descobrir tudo isso só de olhar para os meus olhos. Você enxerga algo que eu não enxergo no espelho. Você gosta do que vê, dá um sorriso sem graça – que me faz derreter -  e me faz acreditar em tudo que eu nunca tive fé. Eu quis te conhecer e te conheci. Mapeei seu corpo e mente e  ignorei aquilo que eu deveria saber e tive que aceitar mais tarde o fato de você ter preferido ir a pé e sozinho.
     Eu só lamento por não ter dado certo, de verdade. Eu chorei por muito tempo, manchando o meu rosto com esperanças infantis. Andei por cima de um lago congelado e senti o gelo se partir em baixo dos meus pés. Constantemente eu parava de me debater na água e deixava o meu corpo cair. A água congelou boa parte de minhas memórias, quebrando-as em seguida e eu gostei. Já começava a me erguer com algo que não é meu.
  Meus lábios estão roxos, meus olhos vermelhos, minha pele pálida e molhada mas eu nunca me senti tão viva quanto agora. Eu respiro como se respirasse pela primeira vez. A neve me abraça e é nela que irei me refazer. Deixarei a noite me moldar.Acho melhor você não olhar, poderá não gostar do que verá. Acho melhor você observar de longe o que eu estou para me tornar. Estou arrancando as peças que vieram com defeito. Estou me remodelando para não cometer o mesmo erro.
     Pensava que meus olhos estavam bem aberto mas você me fez ver que não. Te agradeço por isso e por ter me mostrado que deveria ter seguido só, como eu estava acostumada a seguir. Você foi um companheiro de uma curva na estrada e espero que essa estrada te leve ao lugar que você queira ir. Espero que saiba que eu já sai dela, voltei para aquela que você me encontrou e vou seguir outra um pouco mais a frente. 
   Achei que não daria certo e mais uma vez me enganei. eu continuo rindo do vento, fazendo caretas no retrovisor e ouvindo música bem alto. Eu me programei para desamar, para não errar, para não saudar a tua voz, teu cheiro e boca.

sábado, março 19

Desconhecido

Era disso que eu precisava. Uma festa só de garotas, uma reunião para a inauguração do meu apartamento. Filme, pipoca, música, videogame, risadas, fofocas, calcinha e sutiã!
  Bruna preparava biscoitos com Thársila, enquanto Gabriela e Amanda jogavam mario kart na sala. Eu tinha acabado de preparar uma bacia de pipoca para o filme que a Bruna indicou. Gabriela falou alguma coisa, mas eu não entendi. Parei no meio do caminho como se algo estivesse errado. Eu entrei no meu quarto para ver se tinha algo fora do lugar. Ele estava arrumado, do jeito que eu deixei. A cama estava arrumada, travesseiros em cima, o guarda roupa só tinha as roupas de cama e poucas roupas já que a maioria estava na mala. Do outro lado havia a minha escrivaninha com o meu notebook, uma pilha de caixas ao lado e um porta retrato.
 Eu voltei, sentido aquele aperto na garganta, senti meu coração congelar. As meninas me olhavam preocupada. O que eu havia perdido? Eu ia desmaiar se não achasse o que procurava... mas o que eu procurava? 
Quando passei pelo corredor encarei a porta do banheiro. Segurei a maçaneta e senti meu coração pulsar outra vez. Mas totalmente fora de controle. Achei que iria cair dura naquele momento. Girei a maçaneta e a porta se abriu. De fora do banheiro eu vi um pulso inanimado. Eu corri até ele. Eu parei na porta do banheiro. Eu havia perdido a noção do tempo. Só conhecia a noção de lembranças futuras. 
 Seu corpo estava gelado por causa do gelo. Seu rosto estava submergido. Eu me desesperei, chorei, chamei por ele e nada. Ele não tinha vida. Busquei da força que eu não tinha para tirá-lo de lá. Enrolei ele numa toalha tão branca quanto a pele dele. Eu não sentia o seu coração bater. As garotas me ajudaram a levá-lo para o quarto. Tirei todas as cobertas, lençóis e joguei em cima dele. Sua pele estava tão gelada que chegava a queimar. 
- Anda, acorda. Você não pode me deixar, lembra?! Por favor, acorda - as lágrimas embaçavam a minha visão. Eu já não conseguia enxergar direito. Meu desespero foi aumentado. Eu me enfiei debaixo das cobertas, abracei o corpo dele querendo esquentá-lo. 
- Obrigado - Ele disse num sussurro. 
Então eu olhei para aqueles olhos tão negros quanto um buraco no espaço. E apaguei ao lado dele.


> Eu não inventei isso. Não conscientemente. Esse é um sonho que eu tive a 2 anos atrás que eu não consigo esquecer. O mais engraçado é que eu não conheço esse homem e não lembro da fisionomia dele...